Igreja existe para os cansados e oprimidos

17-08-2010 20:14

Neste Evangelho nos encontramos com a apresentação oficial do colégio apostólico: «Os nomes dos doze apóstolos são estes: primeiro Simão, chamado Pedro...». Menciona-se claramente o primado de Pedro no colégio dos apóstolos. Não diz: «Primeiro Pedro, segundo André, terceiro Tiago...», como se se tratasse simplesmente de uma série. Diz-se que Pedro é o primeiro no sentido forte de que é cabeça dos demais, seu porta-voz, quem os representa. Jesus especificará mais tarde, no mesmo Evangelho de Mateus, o sentido do ser «primeiro», quando dirá «Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja...».

 Mas não queria deter-me a analisar o primado de Pedro, mas o motivo que leva Jesus a escolher os doze e enviá-los. Descreve-se assim: «Jesus, ao ver a multidão, sentiu compaixão dela, porque estavam humilhados e abatidos como ovelhas sem pastor». Jesus viu a multidão e sentiu compaixão: isto o levou a escolher os doze apóstolos e a enviá-los a pregar, a curar, a libertar...

 Trata-se de uma indicação preciosa. Quer dizer que a Igreja não existe para ela mesma, para sua própria utilidade ou salvação; existe para os demais, para o mundo, para as pessoas, sobretudo para os cansados e oprimidos. O Concílio Vaticano II dedicou um documento inteiro, a Gaudium et spes, a mostrar como a Igreja existe «para o mundo». Começa com as conhecidas palavras: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são por sua vez as alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo».

 «Ao ver a multidão, sentiu compaixão dela, porque estavam humilhados e abatidos como ovelhas sem pastor». Os pastores de hoje, desde o Papa até o último pároco do povoado, apresentam-se, desde esta perspectiva, como os depositários e continuadores da compaixão de Cristo. O falecido cardeal vietnamita Van Thuan, que havia passado treze anos nas prisões comunistas de seu país, em uma meditação dirigida ao Papa e à Cúria Romana, disse: «Sonho com uma Igreja que seja uma “porta santa” sempre aberta, que abrace a todos, cheia de compaixão, que compreenda as penas e os sofrimentos da humanidade, uma Igreja que proteja, console e guie toda a nação para o Pai que nos ama».

 A Igreja deve continuar após sua ascensão, a missão do Mestre que dizia: «Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos darei descanso...». É o rosto mais humano da Igreja, o que melhor a reconcilia com os espíritos, e que permite perdoar suas muitas deficiências e misérias. O Pe. Pio de Pietrelcina chamou o hospital que fundou em São Giovanni Rotondo, «Casa de alívio do sofrimento». Toda a Igreja deveria ser uma «casa de alívio do sofrimento». Em parte, deve-se reconhecer que o é, a não ser que fechemos os olhos à imensa obra de caridade e de assistência que a Igreja desempenha entre os mais deserdados do mundo.

 Aparentemente as multidões que vemos ao nosso redor, ao menos nos países ricos, não parecem «cansadas e abatidas», como nos tempos de Jesus. Mas não nos enganemos: detrás da fachada de opulência, sob os tetos de nossas cidades, há muito cansaço, solidão, desespero, e às vezes inclusive desespero. Não parecemos multidões «sem pastor», dado que muitos lutam em todos os países para se converter em pastores do povo, ou seja, em chefes e controladores do poder. Agora, quantos entre eles estão dispostos a levar à prática o requisito de Jesus: «O que recebestes de graça, de graça dais»?



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por Cassiano Azevedo, Missionário Com. de Vida Shalom